terça-feira, 15 de novembro de 2011

Capitães da Areia: as ruas da Bahia no cinema

É claro que muita coisa mudou desde a publicação de Capitães da Areia, romance dos mais expressivos da obra de Jorge Amado. Basta dizer que, em 1937, ano de sua primeira edição, exemplares foram queimados nas ruas da Bahia junto com obras de outros escritores, sob acusação de propaganda do Partido Comunista, do qual o escritor era militante. Vivíamos os primeiros momentos da ditadura do Estado Novo. Hoje vivemos num estado democrático de direito e festejamos os cem anos de nascimento de Jorge. Contudo, a transcrição do romance para o cinema nos leva a refletir sobre a obra, o criador e suas criaturas.
Capitães da Areia é um romance social de Jorge Amado. Nele, o autor narra a vida, a história e as peripécias de um grupo de crianças órfãs ou abandonadas que vivem nas ruas da capital baiana praticando pequenos furtos e biscates para sobreviver. À noite, além de namorar pelos becos, beber e fazer farra nos areais da Cidade Baixa, eles roubam as casas dos ricos na Cidade Alta e dormem nos trapiches abandonados nas cercanias do Porto.
O romance tem a clara intenção de denunciar o abandono das crianças por parte do Estado e da sociedade, que as vê como bandidos e exigem que devam ser tratadas pela polícia como tal. E a polícia, na opinião das elites e dos governantes, deve prendê-las e puní-las; ou, na melhor das hipóteses, encarcerá-las nos reformatórios.
Através da voz do narrador, fica evidente que o drama vivido pelas crianças retrata um problema social decorrente da omissão do Estado. Subjacente a este discurso do narrador está a acusação de que o abandono dos meninos é conseqüência de um mal maior: o sistema capitalista, causador de desigualdades e opressão e que, portanto, deve ser substituído por outro sistema, mais igualitário; o socialista.
Em apoio ao discurso do narrador, a construção dos personagens de Capitães da Areia é feita de forma a desconstruir o discurso das elites que os caracterizam como bandidos. Assim, Pedro Bala – o chefe dos meninos de rua que se transforma em líder de greves e militante do Partido Comunista – Professor, Gato, Sem Pernas, Pirulito, Volta Seca, Dora e outros “capitães” são mostrados como crianças que sentem falta da figura materna, são alegres e brincalhonas, têm sonhos e fantasias, ainda que sejam obrigadas a se comportar como adultos para sobreviver.

Abstendo-se de fazer análise sociológica e comparações do tempo do romance com o mundo contemporâneo ou com a Bahia de 2011, percebe-se que o romance Capitães da Areia tem atualidade na sua essência. A existência, ainda hoje, de crianças de rua no mais completo estado de abandono por ausência ou ineficácia das políticas públicas, faz os "capitães de areia" de hoje terem de recorrer aos mesmos métodos de Pedro Bala e sua turma para sobreviver, apesar de os trapiches não mais estarem disponíveis e os depósitos abandonados de ontem terem sido transformados em casas de show, prédios requintados ou restaurantes de luxo. Para os meninos e meninas de rua restaram apenas as calçadas, pedaços de papelão e a tragédia das drogas.
 
* Everaldo Augusto é professor e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal da Bahia (Ufba)

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